Enfermeiro Pedro Aguiar - Cidadania na Enfermagem
No atual contexto demográfico, social e económico do país é
necessária uma mudança de paradigma na abordagem da saúde, deixando de ver a
saúde como médico e medicamento e encontrando novas estratégias que se
articulem com políticas e mobilizem a ideia de que o bem-estar do cidadão está
diretamente ligado à prosperidade económica.
Hoje a população é mais idosa. Observa-se na população
portuguesa uma baixa taxa de natalidade e fecundidade e um aumento da esperança
média de vida.
A população acumula-se no litoral aumentando a população
urbana e principalmente a periurbana intensificando a iniquidade entre litoral
e interior e entre região urbana e periurbana.
A desregulação no acesso à saúde conduziu a que existam
portugueses com acesso a médico e enfermeiro de família e outros não, o que
entre outras consequências, faz com que cerca de 40% das urgências hospitalares
sejam problemas de cuidados saúde primários.
Observam-se problemas na verdadeira implementação de reformas
conducentes do plano nacional de saúde. A implementação da Rede Nacional de
Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) não dá resposta a todas as
necessidades, é difícil o acompanhamento da doença crónica e o acesso a
cuidados paliativos, não há monitorização da adesão ao regime terapêutico, a
saúde escolar tem grandes lacunas e a saúde mental contínua no paradigma da
institucionalização e com pouca intervenção comunitária.
No mercado da saúde há uma relação de agência imperfeita
devido à assimetria de informação entre os consumidores e prestadores. Deste
modo, o cidadão fica numa situação de fragilidade quando necessita de cuidados.
A liberalização do acesso e a indução da procura elevam o
risco moral levando a que os serviços públicos ou com acordos, mais tarde ou
mais cedo, ficarão lotados, multiplicando o número de consultas, meios
complementares e de diagnóstico, consumo de medicamentos e número de urgências
e internamentos. Neste contexto, exige-se, ao estado, que assuma um real
controlo deste aumento do consumo e consequente aumento de custos.
A reforma da Lei de Bases da Saúde cria um momento propício
para esta reflexão, discussão e implementação.
O que queremos do SNS?
O que queremos da reforma que se pede à Lei de Bases da Saúde?
Queremos apenas um
make-up legislativo que favoreça apenas alguns? Ou queremos aproveitar a saúde
para uma verdadeira reforma organizativa em torno do cidadão?
Olhando para o sistema de saúde existente, o maior consumo está
nas estruturas hospitalares e na indústria que gravita em torno destes. O
aumento dos players privados na saúde e o baixo investimento na saúde publica
dos últimos anos leva a um crescimento das desigualdades no acesso à saúde,
pelo que se torna imperativo que o estado assuma um papel regulador efetivo e
impeça estas desigualdades.
Será necessário que se pense no modelo de decisão. Queremos um SNS burocraticamente pesado, em
que uma decisão de cuidado ao cidadão, tenha de passar por Ministério das Finanças,
Ministério da Saúde, ACSS, ARS’s, Hospital/ACES e Profissional de Saúde?
Desta forma, tornam-se evidente que de uma vez por todas se
pense num SNS que olhe para o cidadão como o principal player, levantando assim
várias necessidades.
A melhoria e reforço dos cuidados primários. Deverá ser
reforçada a aproximação ao cidadão transferindo recursos dos hospitais para os
cuidados de saúde primários, garantindo um acesso facilitado e um melhor
acompanhamento do cidadão. A aposta na educação para a saúde e hábitos de vida
saudáveis desde a idade escolar deverá ser também uma das prioridades.
A diminuição da permanência em meio hospitalar através do
reforço da RNCCI. Deverão ser desenvolvidas ações de promoção de envelhecimento
ativo, promoção da autonomia e promoção de descentralização e intervenção em
proximidade com e na comunidade. O idoso deverá, cada vez mais, permanecer no
seu ambiente familiar ao invés da institucionalização.
Tudo isto exige ainda uma verdadeira integração dos cuidados
que promova a articulação aos diferentes níveis (primário, secundário e
continuados) colocando o cidadão no centro do sistema. As Unidades Locais de
Saúde são uma forma de executar esta integração, mas será necessária uma
avaliação dos casos de implementação existentes, de modo a perceber se será o
melhor ou se também aqui teremos de alterar a forma de realizar. Nesta ideia de
integração e evolução é necessário ter em atenção o serviço social que deverá
estar mais perto que longe da saúde. E para isto, torna-se imperativa a criação
de um gestor de cuidados tendo em conta o problema major do cidadão, saúde
(doença crónica, saúde familiar) ou social (habitação, isolamento social).
Com a transferência de cuidados para os CSP e RNCCI o
hospital deverá ficar restrito a cuidados complexos, garantindo nesta
casuística uma prestação de qualidade. A concentração dos hospitais em centros
hospitalares deveria ter iniciado esta convergência de cuidados com a agregação
de atividades similares, mas isso não se verificou. Esta centralização de
serviços garantirá uma melhor alocação de recursos e consequentemente melhores
resultados clínicos.
Tem faltado também ao longo dos últimos anos uma maior
aproximação aos profissionais de saúde prestadores, ouvindo-os e integrando-os,
fazendo com que estes sintam a reforma como deles, capacitando-os assim para
fazerem parte da transformação.
Esta transformação não se dá se o sector da saúde for visto
de uma forma estanque e apenas no sistema de saúde. Por isto, deverá ser ainda
promovida a implementação de iniciativas intersectoriais. Escolas, segurança
social, autarquias, ambiente deverão desenvolver atividades que promovam a
saúde aos vários níveis, envolvendo vários profissionais com proximidade aos
cidadãos e agindo de forma a beneficiar todas as partes envolvidas.
Hoje é essencial que se tenha uma visão mais ampla do sector
da saúde e das reformas necessárias. É importante a chamada de todos os
intervenientes da sociedade, desde o cidadão aos profissionais de saúde,
professores, economistas, empresários, associações, governantes locais e
governo central a desempenhar um papel de melhoria das condições de saúde.
Encontramos uma organização social pouco virada para estilos
de vida saudáveis, com um crescente sedentarismo, excesso do uso de transportes
motorizados e ausência de atividade física, consumo crescente de fast-food e
fácil acesso a comida pouco saudável e a um fácil acesso a tabaco e álcool,
principalmente na população mais jovem. O cidadão tem uma baixa literacia em
saúde e a própria informação em saúde não é clara e objetiva. Com a crise
agravou-se o aumento do desemprego, os cortes na saúde e com isto a
vulnerabilidade social das minorias e as desigualdades sociais.
Desta forma é necessário agregar esforços para que seja
possível uma coesão dos vários setores e dos próprios cidadãos, imprescindível
para manter a esperança e sustentabilidade social. É importante criar e
estabelecer uma cidadania responsável. Os cidadãos terão de compreender o seu
papel e perceber que têm direitos, mas também deveres a cumprir para com a
sociedade. A criação de redes de cuidadores informais (família, vizinhos,
amigos) promoverá a coesão e inclusão e diminuirá as desigualdades.
As zonas urbanas terão de se transformar adaptando-se à
promoção de uma vida mais saudável, criando parques desportivos, facilitando o
acesso a comida saudável, criando iniciativas de literacia e promoção de saúde
e usando as escolas como criadoras/promotoras destes hábitos.
Um consumo alimentar adequado e a consequente melhoria do
estado nutricional dos cidadãos tem um impacto direto na prevenção e controlo
das doenças mais prevalentes a nível nacional (cardiovasculares, oncológicas,
diabetes, obesidade) mas também deve permitir, simultaneamente, o crescimento e
a competitividade económica do país em outros setores como os ligados à
agricultura, ambiente, turismo, emprego ou qualificação profissional.
Por tudo isto, é necessário que se aproveite o atual momento
e vontade de reforma à Lei de Bases da Saúde para que se criem condições
legislativas para toda esta reforma a implementar pelo bem do cidadão, pelo
futuro da saúde em Portugal.
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Nota Importante:
No já aqui divulgado Jantar/Tertulia
que o grupo dinamizador deste blogue promoveu para debater contributos para a
Revisão da Lei de Bases na Saúde, estiveram presentes 27 participantes e
convidados. Algumas das questões mencionadas neste texto foram abordadas,
embora num espaço de tempo considerado curto para a complexidade do tema, mas apesar
disso, que possibilitou a participação da Enfermagem no debate.
Como está em discussão
publica até 19 deste mês (julho) o pré-projeto
da proposta de lei, convidamos os leitores a enviar para a Comissão as suas
propostas e, se assim o entender, a partilhá-las neste blogue.
Para tomarem conhecimento do pre-projecto de proposta de lei, aqui:
E para eventuais contributos, deverão ser enviados até às
23h59 do dia 19 de julho de 2018:
através de formulário, aqui:
ou e-mail: comissao.bases.saude@sg.min-saude.pt
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