VALORIZAR A ENFERMAGEM
(comunicação
apresentada na Abertura do Encontro
de Enfermeiros- Cidadania na Enfermagem a 3/03/2018 por Maria Augusta de Sousa)
Os tempos que socialmente estão a ser construídos são hoje
atravessados pela velocidade da informação (e desinformação) que a Comunicação Social,
a Internet e as redes sociais tornaram instrumentos centrais na vida de cada um
de nós, não só como possibilidade de comunicação, mas também de desconstrução,
pela facilidade de acesso e por vezes mesmo pela propaganda de menos rigor e
verdade que, pela sua repetição, passa como realidade. A enfermagem e os
enfermeiros não estão imunes a esta situação, pelo que importa clarificar
algumas questões.
A enfermagem, pela sua natureza, tem uma responsabilidade
social face aos desafios que se colocam à saúde dos cidadãos e à organização
das respostas em cuidados de saúde, assim como às políticas que suportam as
orientações e a disponibilização dos recursos necessários. Importa por isso que,
como o maior grupo com número de alunos em formação no Ensino Superior na área
da saúde e de profissionais no Sistema de Saúde, sejamos capazes de construir referenciais que nos permitam perspetivar a
profissão a longo prazo.
Pensamos que devemos fazer um caminho que nos permita definir eixos estratégicos de
desenvolvimento que perspetivem a profissão que desejamos a 10 anos. Não é
tarefa fácil, mas é um exercício que só nós enfermeiros o devemos fazer para
que outros não o façam por nós. Estou certa que seremos capazes, tal como
colegas o fizeram nos anos 70 e que orientaram o caminho que percorremos nas
décadas de 70/80/90.
Sabemos que as condições tanto na formação como no exercício
profissional conheceram nas últimas décadas mudanças, mas que pela velocidade com
que ocorreram, quase não demos conta:
- na educação, o ensino superior acentuou o sistema binário, valorizando de forma distinta o ensino universitário
e o ensino politécnico, não só com um crescimento no numero de alunos na área
da saúde, mas também com o reforço de áreas de formação que se cruzam em
saberes que deveriam ser partilhados para alicerçar novas formas de estar em
saúde pelos vários profissionais. E consequentemente, na área da saúde passou a
existir diferenciação das condições de acesso às diversas profissões.
- nas instituições de saúde, os modelos de gestão assentam
cada vez mais numa lógica de produtividade por atos/programas e ciclos[ que o cidadão percorre (mais em
função da organização dos profissionais do que de acordo com as suas
necessidades) que ocultam os contributos
que cada um dá na cadeia da oferta de cuidados. É disto exemplo a forma como
são organizados determinados dados estatísticos, em que os enfermeiros nem
aparecem.
INE/INSA 2014 – inquérito nacional de saúde divulgado
em 2016
Sabemos que as alterações demográficas e epidemiológicas são
hoje distintas dos anos ainda próximos, ou seja a esperança de vida aumentou mas os anos de vida saudável não mudaram
muito. Com estas mudanças temos um índice de envelhecimento que em 10 anos
passou de 111,5 (2006) para 150,9 (2016) e uma população idosa portadora de
comorbilidades e com dificuldades crescentes no que respeita a Atividades de Vida
Diária.
Sabemos nós enfermeiros que esta realidade implica cuidados de suporte que contribuam para uma
vivência das transições ao longo do ciclo vital que garanta as melhores
condições para a vivência dos seus processos de saúde/doença. Os enfermeiros são os profissionais que
podem ser a referência essencial para a continuidade e segurança dos cuidados.
Contudo, continuamos numa lógica de organização dos cuidados
suportada na organização dos cuidados médicos e esta situação não tem permitido
a apropriação dos instrumentos que a profissão tem para que as suas
intervenções autónomas e interdependentes tenham expressão visível na cadeia de
cuidados. Consequentemente, os
enfermeiros não têm feito parte de uma lógica de investimento, mas sim de
despesa.
Esta ausência de apropriação conduz a que na “guerra” dos
territórios profissionais, (hoje mais diversificada porque existem mais
profissões) não seja valorizado por outros (e por muitos de nós) um verdadeiro trabalho de equipa
multiprofissional e interdisciplinar, onde a centralidade e a reposta às
necessidades a quem dispensamos cuidados deve ser, não o somatório do que cada
um faz, mas sim o que cada um transporta como valor acrescentado.
O ensino das várias disciplinas da área da saúde continua
espartilhado, cada um nos seus saberes, quando poderia ser um importante
instrumento de mudança de culturas profissionais fechadas em si mesmas. Novas
estratégias para o ensino e investigação em saúde são desafios que se colocam e
que exigem trilhar caminhos de
concertação.
Sabemos que a evolução científica e tecnológica permitem
novas respostas que contribuam para a melhoria do estado de saúde e bem-estar
dos cidadãos, contudo continuamos a ter uma realidade dos recursos disponíveis
para os quais não se vê a assunção de um planeamento estratégico, à semelhança
do que se está a realizar com o SNS de Inglaterra, que está a realizar um
trabalho para a definição das necessidades da força de trabalho até 2027.
Se voltarmos a analisar o slide 1 – Recursos Humanos no SNS,
verifica-se que no ensino o numero de alunos de medicina se aproxima do numero
de alunos de enfermagem e que no que respeita aos RH na saúde a estabilidade de
crescimento foi apenas no grupo médico, estando o grupo de assistentes
operacionais desfalcado o que significa limitações à organização de cuidados,
mas também no que aos enfermeiros diz respeito, a não assunção das suas áreas
de responsabilidade, onde a delegação de tarefas é, por vezes, não assumida.
Contudo os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável
apontam metas para o ano 2030 onde a saúde universal é uma meta e a OMS defende
que “Enfermeiras e Parteiras: são a chave para a saúde universal”. Também por
isto devemos construir uma visão de
longo prazo e sermos intervenientes nas mudanças.
É no aprofundamento deste quadro e dos espaços onde os
enfermeiros intervêm, no ensino, na investigação, na prestação de cuidados, na
gestão e na assessoria que acreditamos ser
possível fazer um caminho que nos permita definir eixos estratégicos de
desenvolvimento que perspetivem a profissão que desejamos a 10 anos.
Se olharmos o nosso percurso como profissão nas quatro últimas
décadas, os pilares do seu desenvolvimento foram sempre a formação/autorregulação
profissional/ regulação laboral/carreira, o que nos dá um grande estímulo para
continuarmos a lutar pela valorização da Enfermagem.
Neste espaço hoje criado, optamos pela discussão destas
temáticas pela pertinência e atualidade de que se revestem, e por isso poderem
tornar-se numa alavanca para respondermos a desafios futuros.
Seguramente surgirão muitas questões neste Encontro, mas também
vontade de continuar e para a qual contamos com os vossos contributos.
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